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Cadeira nas Calçadas

Por Eduardo Marques


No Bom Jardim, periferia localizada em Fortaleza, há um modelo de cadeira que mora em muitas casas, habita o imaginário social e se alarga quintal afora, calçada adentro. Mais que uma cadeira é um campo gravitacional onde a casa se funde à cidade, movimento estático que alarga o quintal além do portão, que promove por um momento do tempo no espaço simbioses entre o público e o privado, destituindo seus rígidos limites. A cadeira que carrega o corpo parado dá direito à cidade. A cadeira que põe o corpo estático num movimento entre fronteiras, em que o corpo carrega a casa pela cadeira para o lado de fora, dando forma à experiência urbana.


A calçada vira, então, lugar de estar, contrasta com a bicicleta que passa, propõe o corpo que fica. Indica relações possíveis e profundas entre a vizinhança. É tanto que há neste ato de sentar. Destitui o doméstico de dentro do lar. Promove intimidade com esse espaço lugar-calçada disseminado por toda cidade.


São tantas possibilidades da cidade que mora na calçada, na periferia . É por ela que se dá o elo entre a casa e a rua. A calçada não é só uma parte que faz a rua tocar a casa, ela carrega a possibilidade de fusão, de agregação. Na cadeira da comunidade São Francisco senta alguma rebeldia possível. Na cadeira nas calçadas da favela descansa algo fora do tédio. Quando na calçada a cadeira é preguiça, na sala é aborrecimento.


Em um desses bairros, nada verticais de Fortaleza, ruas com casas, crianças vivendo em situação de rua. As carnaúbas brincam com seu aroma dando o ar da praça, a praça dos encontros e dos amores. As “Barracas” vendendo churrasco, caipirinhas e, assim, as cadeiras vão mudando de lugar e a periferia vai ocupando a cidade. Mas, o fato é que, numa dessas terças-feiras de sol, uma destas ruas acordou só calçada. O asfalto sumiu, a calçada cresceu, alargou, tomando a rua. Uma rua sem rua. Não era aquele calçadão próprio dos centros das cidades, mas uma calçada de bairro que, calada, cresceu até ser inteira. Foi de tal forma, que cada lado da calçada avançou até o outro, silenciosamente, se conectando. É preciso avançar. É preciso ligar as calçadas.


Na frente das casas feitas de alvenaria, estes se expandiram até o centro do que antes era asfalto, trechos de calçadas com árvores também avançaram. Pequenos canteiros se expandiram, já não mais nos cantos, agora também no centro do que agora era avesso à passagem. Os moradores não estranharam o sumiço do asfalto. A molecada rapidamente desenvolveu variações do futebol de rua, agora de calçada. Os velhos já não tinham mais a velocidade dos carros contra os códigos dos corpos lentos para temer. Bebês engatinham de dentro da sala até o mar de calçadas que tomou a rua feito maré que sobe avançando sobre areia.


A rua realizou seu sentido mais profundo, tomada totalmente pela calçada. Foi de uma criança que surgiu a explicação. Segundo ela, a calçada foi crescendo, se alargando bem devagarinho, imperceptível ao tempo do adulto que, ou dirige carro ou olha tela. A criança explica que, a cada vez que mais de uma dúzia de cadeiras eram preguiçosamente instaladas nas calçadas, elas cresciam mais um tiquin! Feito planta quando rega, feito frango quando cisca. Em uma noite quente de sábado, a vizinhança toda tomou a calçada. Cadeiras colecionavam corporalidades nas calçadas. Risos e conversas do lado de fora, noite adentro. Pela manhã tudo que era rua já tinha virado calçada. Mas, pra onde foi a rua? O asfalto sumiu no espaço-tempo? Foi tomado por buraco de minhoca, destes que a gente achava que só tinha no espaço?

A rua que, gradativamente sumia para que a calçada se alargasse, ia gradativamente crescendo num outro lugar da cidade, onde era a calçada que ia sumindo. No entorno, muros altos, risos raros, corpos trancados, vizinhos desconhecidos, encontros desaparecidos, a rua ia aumentando até que toda e qualquer fração de calçada desaparecesse.


 

Nós, da Iniciativa PIPA, acreditamos no “fazer junto”, por isso, disponibilizamos o BLOG DA PIPA para ser um espaço colaborativo e que se propõe a pensar as periferias por elas mesmas. E mais, queremos pensar e refletir sobre a relação entre as periferias e a filantropia, questionar porque os recursos não chegam e reverberar as resoluções que vem dos próprios territórios periférico


Acreditamos nos atravessamentos das realidades periféricas cotidianas que permeiam o Brasil de Norte a Sul e queremos contar essas histórias, emoções, dores e alegrias, porque a Periferia é Vida, com muitas dores, mas também, com muita risada, arte e saberes.


Então, se você tem um texto que reflete sobre os territórios periféricos, vem somar com esses conhecimentos diversos para juntos construirmos realidades potentes.


Envie seu texto e uma foto (do autor/a/e) para o e-mail: pipaacomunica@gmail.com

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