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Quem sustenta o que ninguém vê?

O Brasil debate o clima em conferências, mas quem sustenta a justiça climática do país segue sem financiamento: mulheres negras.  


Por Dayanne Soares 


Durante a COP 30 em Belém (Pará), vi o glamour da falta e a estetização da ausência. A escassez de recursos e a invisibilidade das periferias estiveram presentes, mas  apenas como performance e discurso, enquanto acordos, metas e compromissos sobre as mudanças climáticas eram negociados e decididos em paralelo. O maior encontro global sobre clima permaneceu distante de quem mais sofre com ele, onde a urgência e sobrevivência já é cotidiano.


Mas as periferias estavam lá, no cheiro e no gosto da comida, na música que atravessa ruas, na fé desenhada em paredes, na população que inventa o futuro. Foi difícil me despedir. 


Grande parte do que se discutiu ficou distante de quem vive a crise climática na prática. Essa distância entre presença e influência abriu caminho para reflexão sobre financiamento e poder de decisão. 


Nessa volta para casa, segui me perguntando: onde está o dinheiro? Como e para quem ele chega? Quem sustenta o caminho quase invisível desse financiamento? É quase como tatear no escuro! Sentada numa mesa de debate, olhando para os nossos pares, pude ver as expressões que buscam pelas mesmas respostas. 


Com as Diretrizes para a Filantropia Climática em mãos, partimos da compreensão de que o recurso é um instrumento político e que a disputa sobre quem acessa, decide e sustenta o futuro precisa ser reorganizada. Se 82,3% das organizações periféricas afirmam realizar ações diretas ligadas à agenda climática, por que apenas 15,9% conseguem acessar recursos voltados ao clima? A pesquisa lançada pela Iniciativa PIPA deixa claro: aqueles que são sistematicamente excluídos do investimento, já respondem à crise em sua forma mais brutal! 


Mametu Muagile, vestida com traje tradicional azul e branco, sentada em um sofá lendo um caderno, com adornos e turbante colorido, em ambiente interno.
Foto: Mametu Muagile (Mãe Beth de Bamburucema) lendo as Diretrizes para a Filantropia Climática. (Reprodução: Fred Santos)

Os dados mostram também que quem cuida e é cuidado nas periferias brasileiras tem um rosto, com cor e gênero. São as mulheres negras.


Quem cuida e transforma:

68% das pessoas que gerem as organizações periféricas são mulheres,

74,1% são negras.

Ao todo, 39,9% das organizações e projetos desenvolvidos nas periferias brasileiras, são geridos por mulheres negras.


Quem é cuidado:

54% das pessoas apoiadas pelas organizações que lutam no enfrentamento à crise climática  são mulheres.

85,8% são pessoas negras. 


Não é coincidência. É estrutura.


Daquilo que foi discutido (em tese) na COP, uma coisa ficou evidente: as mulheres negras  sustentam na prática as mudanças socioambientais e climáticas que emanam dos territórios, com cuidado coletivo, justiça econômica, sobrevivência ambiental e organização de base. O fazem com menos recursos e visibilidade, embora suas ações tenham um impacto territorial maior do que qualquer declaração oficial. 


Da COP à marcha das mulheres negras, o que emergiu foi a mesma convocação: como fazemos para que mulheres negras, que sustentam tudo,  acessem recursos, estrutura, poder e decisão?


Faixa pendurada em uma parede com a frase “Quem financia as periferias financia o futuro do planeta”, nas cores preto, branco, verde e vermelho, com a assinatura visual da Iniciativa PIPA no canto.
Foto: Fred Santos

Porque enquanto as conferências produzem documentos, são elas que produzem a resposta. Enquanto a geopolítica debate transição energética, elas fazem transição cotidiana para garantir água, alimento, cuidado nos territórios, num cenário extremo de crise climática. 


E talvez a pergunta mais urgente seja: 

As mulheres negras sustentam o Brasil. O Brasil vai fazer o mesmo por elas? 

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