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PIPA: Alçando voos nos ventos do Norte

Atualizado: 1 de nov. de 2023

Samily Maria - Pesquisadora PIPA da região Norte


Em agosto de 2022, tive contato com o edital de seleção de pesquisadores para Iniciativa PIPA, em parceria com o Instituto Nubank. Pelo teor da chamada, soube que o principal intuito da pesquisa seria discutir a democratização do acesso de organizações periféricas a recursos filantrópicos no Brasil. Para esta alcançar seus objetivos, ser representativa, precisaria transportar barreiras territoriais e estruturais. Sendo assim, a procura por pesquisadores das regiões subalternizadas e usurpadas como Norte e Nordeste foi uma maneira de subverter a ordem das colonizações internas no Brasil.


Eu, um corpo negro feminino, materno, de terreiro, pansexual, amazônida precisei superar inseguranças históricas para participar da seleção e depois assumir o compromisso de ser a pessoa que difundiria, articularia e seria uma das caras da pesquisa pelas bandas de cá. O meu ser no mundo e minhas questões frente a este trabalho, encontraram nos outros sujeites, entrevistades e parceires de pesquisa, similaridades e desafios semelhantes.


Desconfiança


A Amazônia, região Norte do país, em específico o estado do Pará, é um território constantemente alvo de projetos exploratórios, sob ação do estado e de grandes corporações, que transformam e se apropriam da nossa biodiversidade, ao mesmo tempo que atinge a natureza, mina e tenta apagar nossa diversidade cultural. Enfraquecendo comunidades tradicionais e atingindo nossa identidade, por meio de promessas enganosas, usurpação e exploração. As sucessivas experiências traumáticas muniram nossos corpos com a desconfiança, as pessoas desacreditam de que possa vir alguma melhoria, os entrevistades primeiro desconfiaram, era necessário conhecer quais seriam os usos dos dados colhidos. Desta maneira, houve a necessidade de deslocamento para conversas presenciais, olho no olho.

Nestas situações, eu pesquisadore, também me convencia de que os métodos que estavam sendo usados tratavam-se de uma real possibilidade de melhorias para a nossa população, de acesso a recursos e formação, para então, transmitir confiança a eles.


Dificuldade de acesso


Uma característica desafiadora para qualquer trabalho na região amazônica é vencer as barreiras da dificuldade do acesso. Devido a extensão territorial e as já mencionadas ações colonizadoras, muitos agentes culturais e coletivos não possuem acesso a equipamentos, formação para o uso dos mesmos e acesso à internet, em muitos municípios paraenses a rede de internet ainda é precária. Como o questionário exigia uma dedicação e o mínimo de conhecimento digital, muitas organizações não conseguiram respondê-lo, em alguns casos, também se fez necessário a minha presença para ajudar estes agentes a responderem o questionário.


Múltiplas funções


Outra questão identificada, é que o público alvo da pesquisa, que movimentam as iniciativas de impacto social, em sua maioria são autônomas, não têm empregos formais, tem muitas demandas familiares e sociais e são, compulsoriamente, obrigadas a assumir múltiplas funções, consequentemente vivem em situação de vulnerabilidade financeira e alimentar. Eu, enquanto pesquisadora, também enfrento esta situação, que nos impede de nos dedicar exclusivamente a um trabalho, para garantir uma dignidade cotidiana para a nossa família, garantindo a moradia, alimentação e subsídios, precisamos estar nestes vários lugares.


Contexto de campanha eleitoral


A dificuldades para a realização da pesquisa também passaram pelo período da campanha eleitoral. Como as pessoas que atuam em movimentos sociais, fazem parte de comunidades tradicionais e/ou moram em periferias, estavam muito envolvidas nas eleições presidenciais de 2022 e focadas, assim como nós, em derrubar um governo fascista, então, as pessoas estavam com muitos compromissos, o que dificultou o contato e a aplicação do questionário.


Interesse e disposição


Apesar das dificuldades relatadas acima, muitas iniciativas responderam a pesquisa com bastante interesse, colocaram-se à disposição da Iniciativa PIPA para manter laços e conexões, se comunicando para ampliar as redes, para reverberar as ações realizadas aqui no estado do Pará, na Amazônia.


É perceptível que existe a carência de políticas públicas e investimentos privados na região Norte do Brasil, a falta de acesso a recursos e a dificuldade em participar de levantamentos como este, estão no cerne da desigualdade regional e social do país.


Nós, da região Norte, temos uma riqueza artístico-cultural e uma bagagem filosófica-educacional imensa, por mais que haja um projeto político para enfraquecer a nossa autoestima, a consciência do como nós somos grandes enquanto região, enquanto Amazônia está se fortalecendo. A cada dia vamos nos enxergando, nos reconhecendo enquanto agentes que movimentam coisas grandiosas.


Uma reflexão importante, também, para os pesquisadores e gestores dessa pesquisa é: Quais ferramentas e metodologias estamos usando? Elas dialogam com o público-alvo? É necessário repensar e ir construindo, juntos, possibilidades. No início da pesquisa falamos sobre a possibilidade de ser um formulário que possibilitasse o envio de um áudio gravado, por exemplo. É provável que desta maneira a pesquisa pudesse alcançar pessoas na diversidade do que elas demandam, são diversas demandas. Devemos levar em consideração que ainda existem pessoas com dificuldade na linguagem escrita, pessoas que têm dificuldade com a linguagem digital.


Em outra face, também devemos analisar sobre nossa atuação como pesquisadores, como seres humanos, com nossas limitações. As questões apresentadas aqui, são aprendizado, para se repensar o próprio ato de pesquisar e seus métodos. Podemos refletir, repensar a forma de fazer pesquisa no Brasil, a maneira como os pesquisadores vivem, quem tem a possibilidade de assumir esse papel, de ser pesquisador na Amazônia, no Nordeste?

O primeiro impacto para mim foi superar as minhas próprias limitações, que foram historicamente adquiridas, como imposições. Por vezes, me vejo incapaz de assumir o papel de pesquisadora, nego a importância da minha trajetória, tenho dificuldade de assumir esse lugar de produtora, articuladora social e cultural, como muitos que esta iniciativa encontrou e tentou alcançar.


Ao final da pesquisa, me sinto mais fortalecida, com muitos aprendizados e percebendo que os dados falam para além das respostas do formulário. Toda essa trama de desafios e superações, dos nãos que a gente recebeu e dos sins, demonstram essa diversidade amazônica. A PIPA se apresenta, neste momento, enquanto ferramenta imprescindível na expansão de nossas redes, articulação pelo acesso à formação, informação e organização diante da enorme necessidade da democratização do financiamento filantrópico no país, esses recursos precisam chegar nas nossas iniciativas, que estão pagando para fazer, que estão vivendo com pouco e fazendo muito, para além de toda a política pública, de toda irresponsabilidade estatal.

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