Lideranças da Rede PIPA relatam dificuldades em dialogar com as organizações financiadoras e acessar recursos
No último dia 20 de outubro foi comemorado o Dia Nacional da Filantropia, data que surgiu em 2007 para promover a valorização e gerar esclarecimentos sobre o setor da filantropia no Brasil. Para marcar esta data, convidamos duas lideranças de organizações que fazem parte da Rede PIPA, a primeira rede de organizações periféricas criada para debater e incidir no campo da filantropia no Brasil, para dividirem suas experiências e expectativas sobre o setor da filantropia. Ana Paula, presidenta do Coletivo Mulheres Negras de Cáceres, na cidade de Cáceres (MT), e Wellington Frazão, diretor-presidente do Instituto Periferia em Foco, em Belém (PA).
Segundo os dados da pesquisa Periferias e Filantropia, publicada em 2023 pela PIPA, das equipes totalmente ou majoritariamente geridas por pessoas negras, 96,9% encontram dificuldades para acessar financiamento no terceiro setor. Realidade compartilhada por Wellington e Ana Paula, nos estados do Mato Grosso e Pará.
O Coletivo Mulheres Negras atua como um espaço de articulação de mulheres negras das periferias de Cáceres (MT) e região, alcançando quilombolas e desenvolvendo atividades voltadas para as crianças e jovens da periferia. Ana Paula revela que o Coletivo já obteve recursos através de dois editais, um com o Fundo Brasil, que possibilitou a formalização através do CNPJ, além da aquisição de equipamentos como computadores e celulares para as ações; e posteriormente, com o Fundo Dema, que era voltado para territórios amazônicos e visava a construção de horta nas periferias.
Olhando para o cenário da filantropia, além de estar concentrada no Sudeste, principalmente no estado de São Paulo, organizações de periferias localizadas em outras regiões do país enfrentam dificuldades relacionadas a características regionais. Como é o caso do município de Cáceres (MT), que está inserido nos biomas Cerrado, Amazônia e Pantanal, fica a 210 km de Cuiabá, capital do estado, e ainda faz fronteira com a Bolívia, a 80 km. Cáceres é considerado um dos municípios mais importantes para o desenvolvimento da economia mato-grossense, por conta da sua localização estratégica, às margens do Rio Paraguai. Entretanto, essa posição também faz do município uma passagem fácil para vulnerabilidades nas fronteiras brasileiras, se caracterizando como um dos principais corredores para o tráfico de drogas, de pessoas e exploração sexual de mulheres, crianças e adolescentes. Cáceres é uma cidade bicentenária, com raízes escravocratas, de segregação e exploração dos povos originários. Além disso, o município tem um dos piores indicadores sociais do estado do Mato Grosso.
Neste contexto, os editais não contemplam realidades plurais e, no caso de Cáceres, os recursos da filantropia chegam de forma tímida no Estado. “E no interior, como é o nosso caso, fica ainda mais escassa”. Ana Paula explica que o Coletivo Mulheres Negras enfrenta muitas dificuldades para entender as expectativas dos financiadores, os editais não são claros, deixam muitas dúvidas sobres os objetivos e metas. “Nem sempre o coletivo consegue encaminhar propostas que correspondam às expectativas pedidas nos editais. É muito complexo e burocrático esse processo de captação de recursos”.
Já o Instituto Periferia em Foco, não alcança recursos. Segundo Wellington, em quase oito anos de trabalho, a primeira vez que o Instituto captou recursos foi em 2023, através do Prêmio Periferia Viva, do Ministério das Cidades. Mas, infelizmente não conseguem captar recursos com a filantropia. “Seja por falta de prática ou por não saber por onde acessar”, relatou. “A maior dificuldade nessa relação da filantropia é a captação de recursos. Como captar esse recurso da filantropia? Porque, muitas vezes, a gente nem sabe onde esse recurso está. A gente doa o nosso tempo, nosso trabalho, mas, às vezes, parece que a gente tá dando murro em ponta de faca. Eu falo isso porque a gente está lá fazendo, acontecendo, mas a gente não vê o recurso chegar. [A gente] nem sabe onde estão esses recursos. Tiramos recursos do próprio bolso.” diz Wellington.
Em Belém, Wellington explica que os recursos da filantropia não chegam às periferias.
“Os recursos, infelizmente, ficam nos grandes centros urbanos. De forma geral, quando os recursos são para a cidade, eles não escoam para as periferias, a não ser no período eleitoral. E se falando em filantropia, quando esses recursos vêm para a periferia, são geralmente para ONGs, sempre para as mesmas instituições. E aquelas que estão começando, será que não merecem investimentos?” declara.
Em meio a todas as dificuldades no acesso aos recursos e no diálogo com os grandes doadores do setor da filantropia, ainda há esperanças. “O maior impacto que eu espero alcançar, a partir do momento em que a gente conseguir captar recursos com o setor [da filantropia], é poder transformar a visão e a relação com as periferias de Belém. Eu atuo no bairro da Cabanagem, que é um bairro popular, um bairro da periferia da cidade. A minha atuação se dá, com amigos, desde 2016. A gente começou a nossa atuação inconformados em como a imprensa local retratava as periferias de Belém, e principalmente, o bairro da Cabanagem. A maioria das matérias [ainda] retrata nosso território de forma estereotipada e preconceituosa. Então, ao longo desses oito anos, o impacto que a gente vem fazendo nesse território é para que a sociedade enxergue as periferias de Belém, não só como um local de pobreza, não só como local de depósito de problemas, mas sim, como um local que apresenta as soluções, um local de potência. Então, nós queremos captar recursos para construir uma sociedade que veja as periferias de Belém não como um problema, mas como parte da solução.”, declarou Wellington.
O fundador do Periferia em Foco declara, ainda, que entrou para a Rede PIPA com a expectativa de que o caminho e os trâmites para captação sejam compartilhados com os membros da rede. Ana Paula também relata suas expectativas. “Esperamos o fortalecimento do diálogo entre as organizações financiadoras e as periferias, intercâmbio de boas práticas, fortalecimento institucional, para que as vozes das periferias e suas necessidades sejam prioritárias.”
Vamos debater a filantropia ao lado das periferias, criar conexões, fortalecer lideranças e incidir de forma organizada e coletiva no campo da filantropia e do Investimento Social Privado (ISP) no Brasil? Faça parte da Rede PIPA.
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