Por Marcelle Decothé - Diretora de sustentabilidade e estratégias da Iniciativa PIPA
No mês da filantropia que transforma, a Rede Comuá lançou na última quinta (12/09) um estudo que tem o propósito de apresentar uma análise abrangente da atuação climática dos fundos comunitários do Brasil no apoio à iniciativas que contribuem para a implementação de Soluções Climáticas Locais (SCLs). Parte importante desta publicação é trazer luz a algo que está no DNA e missão da Iniciativa PIPA: as soluções para os mais complexos problemas sociais e ambientais também repousam sobre as mãos de nossas comunidades e organizações.
Com o intuito de contribuir neste debate, devemos começar pontuando sobre os desafios complexos que as mudanças climáticas têm imposto para sociedades em todo o mundo, e a noção de que o sul global e nossas periferias urbanas e rurais, em particular, estão entre as áreas mais afetadas. O fato é que o slogan da campanha de 2022 da organização Greenpeace: "O que acontece na Amazônia não fica na Amazônia" nunca pareceu tão real. A fumaça das queimadas de nossos biomas no centro-oeste, no norte e no sudeste ganharam proporções inimagináveis, chegaram nas cidades, nas periferias, e sufocam de forma desigual milhares de moradores e moradoras dessas regiões. A emergência climática não é uma pauta de amanhã, mas de hoje.
Se por um lado os efeitos do desmatamento, do modo de vida e produção econômica do país tem contribuído para emissão de gases de efeito estufa, para os períodos de seca prolongada e pela epidemia de queimadas criminosas, do outro temos uma população que sente no bolso os aumentos da conta de luz, a falta de água e de energia, os impactos na saúde com o aumento de doenças respiratórias e o medo sobre o amanhã, sobre que mundo deixaremos para nossos filhos e netos.
A desesperança do futuro incerto parece não paralisar o esforço cotidiano de organizações periféricas, quilombolas, ribeirinhas, indígenas na constante busca para mitigar os efeitos das mudanças climáticas em comunidades inteiras. É em resposta a essa crise, que organizações de base periférica e favelada desempenham um papel central na produção de soluções locais de combate ao caos climático. A atuação dessas organizações vai além da simples adaptação aos impactos ambientais: elas incorporam a justiça social e o empoderamento comunitário em suas ações, criando alternativas que são eficazes, inclusivas e profundamente enraizadas nas necessidades e realidades das populações locais.
Essas organizações, ao atuarem diretamente no território, possuem uma compreensão aguçada das vulnerabilidades específicas de suas comunidades. Isso as torna capacitadas para desenvolver estratégias de enfrentamento que dialogam diretamente com os desafios locais, tais como enchentes, secas e eventos climáticos extremos. Ao criar soluções de baixo custo e grande impacto, como a captação de água da chuva e o incentivo às práticas agroecológicas, essas organizações se destacam por oferecer respostas experienciáveis e escaláveis, adaptadas aos diferentes biomas e realidades regionais.
Outra característica importante para se destacar é que, para além de buscar soluções práticas, essas organizações estão - também - na linha de frente da luta por justiça climática. A crise climática amplifica as desigualdades sociais, e as periferias urbanas são desproporcionalmente afetadas. Ao atuar nesses territórios, as organizações de base não só oferecem respostas imediatas, mas também, promovem o empoderamento comunitário, incentivando a participação política e a construção de políticas públicas que levem em consideração as realidades dessas populações.
Como continuar implementando soluções climáticas locais de baixo custo sem investimento? Sejam pelo grupo de brigadistas voluntários quilombolas do território Kalunga no Goiás, coordenados pelo IBAMA, que implementam técnicas ancestrais para combate a focos de incêndio no Pantanal, seja pela cooperativa "Revolusolar" formada por moradores e moradoras da favela da Babilônia, na zona sul do Rio de Janeiro, que utilizam tecnologia e materiais reciclados para fabricar placas de energia solar para casas das favelas da cidade; sem investimento mobilizado, seja pelo poder poder público, pela filantropia e investimento social privado, nao conseguiremos enfrentar de forma real os efeitos das mudanças climáticas.
Estes desafios significativos de ausência de investimento robusto, nestas causas, comprometem o futuro de nosso país. Apoiar e fortalecer as organizações de base periférica e favelada é essencial para ampliar o alcance de soluções climáticas inovadoras, escaláveis e inclusivas, que podem servir como modelo para outras regiões em contextos semelhantes.
As periferias têm respostas para o combate às mudanças climáticas no Brasil. No entanto, para que possam continuar sua missão, é essencial que o setor filantrópico e os grandes financiadores reconheçam a importância dessas iniciativas e promovam a democratização dos recursos. O futuro da luta contra as mudanças climáticas no Brasil depende de um compromisso real com a inclusão social e a justiça climática, e as organizações periféricas são, sem dúvida, parceiros estratégicos nesse processo.
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