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Eleições, filantropia e a cultura do doar para transformar

Por Marcelle Decothé, diretora de sustentabilidade e estratégia da PIPA


No mês da filantropia que transforma cabe explorar a importância das organizações negras e periféricas para as democracias do mundo. Em março de 2023, a Iniciativa PIPA publicou a pesquisa Periferias e Filantropia, que mostrou a dificuldade na chegada do dinheiro às organizações de periferias. A pesquisa também revelou o perfil das organizações periféricas e a dificuldade que estas organizações enfrentam em relação à sustentabilidade, como o acesso a recursos e precarização do trabalho. Demonstramos que 70,2% das organizações periféricas são geridas totalmente ou majoritariamente por pessoas negras.  Destas organizações, das equipes totalmente ou majoritariamente geridas por pessoas negras, 58,8% são conduzidas por mulheres e 64,2% possuem entre 26 a 45 anos.  


Cena em uma comunidade periférica brasileira. Duas crianças estão sentadas brincando no chão em frente a casas de alvenaria simples com telhados de barro. Uma outra criança passa em primeiro plano, parcialmente desfocada.
Foto: Rithyele Dantas

De fato, se faltam recursos mobilizados para as iniciativas de base comunitária e periférica no Brasil, sobra radicalismo programático para quem lidera a transformação no país. Com pouco recurso, são majoritariamente as mulheres negras, que disputam, voto a voto, caminhos de progresso, proteção social e combate às desigualdades. A disputa política alocada no cotidiano, repousa nos becos, vielas, áreas rurais, aldeias, quilombos e assentamentos espalhados pelos quatro cantos do país, se a política institucional demora a chegar, é a narrativa da justiça social, promovida por estas organizações, a única estratégia de enfrentamento ao avanço do extremismo nestes espaços.


Neste período, algumas das maiores democracias do mundo estão se preparando para eleger representantes políticos e escolher caminhos de futuros institucionais, seja no norte ou sul global, destaca-se, até então, a força da mobilização de doação de grupos historicamente marginalizados para a defesa de agendas e candidaturas alinhadas aos princípios democráticos. 


O racismo, base estruturante nas sociedades modernas e chaga latente da diáspora, impede que nas democracias que conhecemos, pessoas negras estejam em posições estratégicas para disputar e ganhar espaços de poder. E sem estar na tomada de decisão, nós continuamos sendo invisibilizados, estando à margem da linha da cidadania, que nos permite existir com dignidade. Pois, ignorar que em  democracias representativas a "representação" importa é um erro, em tempos de desesperança, dispersão e descrédito sobre a política, o efeito que o movimento político de pessoas negras faz no imaginário da sociedade é a chave para o futuro.


O case de Kamala Harris é interessante para nós, ela é candidata afro-americana à presidência dos Estados Unidos pelo partido Democrata. No mesmo dia que o nome de Kamala foi cotado, mais de 7 mil mulheres negras de todo os EUA  estavam organizadas em uma chamada por vídeo dando orientações para outras 44 mil pessoas para possibilitar vitória de Harris, e em apenas 3 horas essas mulheres arrecadaram mais de 1,5 milhão de dólares. Na manhã de segunda-feira (22/07), o porta-voz da campanha de Harris, Brian Fallon, disse que ela arrecadou US$49,6 milhões em “doações populares”, após o seu endosso por Biden. São doações pequenas, vindas de doadores individuais entusiasmados com a possibilidade de ter, pela primeira vez na história, uma presidenta negra. 


O simbólico importa, porque é este simbólico que mobiliza e desencadeia a força de grupos capazes de movimentar, liderar e transformar com concretude a política. E são esses grupos que realmente definem a vitória, não só na disputa eleitoral, mas durante os quatro anos de gestão, quando irão reivindicar, cobrar e pressionar para uma agenda de mudanças. Posicionar lideranças negras com radicalidade programática é a nossa missão, a derrocada da extrema direita não se sustenta no pragmatismo branco eleitoreiro que estamos acostumados na esquerda tradicional, mas repousa nas mãos e na ação de pessoas negras de toda a América. 


A importância desse recorde de doações não pode ser subestimada. Em primeiro lugar, ele demonstra um reconhecimento crescente da necessidade de diversificar os líderes políticos e de apoiar candidaturas que podem trazer novas perspectivas e soluções para problemas antigos. Historicamente, pessoas negras periféricas enfrentaram barreiras significativas para alcançar posições de poder, e o apoio financeiro substancial pode ajudar a superar essas barreiras. 


Uma agenda de doação que priorize movimentos e lideranças negras de periferia é condição permanente para uma democracia verdadeiramente plural e diversa. É também papel do Investimento Social Privado e da filantropia o dever de promover o financiamento para agendas lideradas por estes grupos, são eles que que fazem o enfrentamento cotidiano ao extremismo, e mais do que isso, se colocam à disposição da disputa institucional, da luta contra a violência política e a transformação do país.



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